Bens jurídicos e situações jurídicas subjetivas no limiar da patrimonialidade: desafios em tempo de desprestígio conceitual
Palavras-chave:
Bem jurídico, Situação jurídica subjetiva, Direito subjetivo, Direitos da personalidade, Existencial, Patrimonial, Bens digitais, Reforma do Código CivilResumo
Este estudo analisa aspectos do tratamento doutrinário do conceito de bem jurídico e suas descontinuidades na nossa tradição. Destaca como a vinculação à possibilidade de apropriação privada e de colocação in commercio justificou, outrora, a associação dos bens a interesses patrimoniais (entendidos como dotados de expressão econômica). Descreve como o giro metodológico e valorativo provocado pela incidência do princípio da dignidade humana sobre o direito civil acresceu ao adjetivo “patrimonial” uma segunda acepção, definida residualmente, para indicar aquela ordem de interesses que não se reputam diretamente derivados na cláusula geral de tutela da pessoa. Nessa segunda acepção, propõe-se que todo bem jurídico é necessariamente patrimonial, evitando-se reduzir interesses existenciais a essa categoria, de modo a demarcar a sua tutela prioritária e a evidenciar que os seus mecanismos de reconhecimento e de proteção jurídica são profundamente distintos dos meios clássicos de atribuição e efetivação das situações jurídicas subjetivas incidentes sobre bens. Defende-se a imprescindibilidade de impedir que os interesses existenciais sejam reduzidos à condição de “ativos”, um risco que se faz presente, em particular, na falaciosa categoria dos “bens digitais”, cuja concepção mostra-se inadequada tanto do ponto de vista lógico, considerando a tradição conceitual do direito civil brasileiro, quanto no plano valorativo, à luz do quadro axiológico constitucional. Critica-se, ao final, a disciplina proposta para os “bens digitais” no âmbito do assim chamado “direito digital” pelo PLS n. 4/2025 (reforma do Código Civil).
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