Enquadramentos jurídicos do corpo: deslocamentos entre objetos e subjetividades
Palavras-chave:
Estatuto jurídico do corpo, Autodeterminação corporal, Corpos, identidades e subjetividadesResumo
Este trabalho traça um delineamento teórico do estatuto jurídico do corpo na modernidade jurídica ocidental e de suas transformações, associadas à aceleração tecnocientífica. A metodologia utilizada é a revisão bibliográfica da construção jurídica do corpo, com base na literatura jurídica e de áreas afins. O corpo, como objeto de regulação jurídica, não é tomado como um dado material, natural e orgânico, mas sim como construção social, cultural e política. As diversas representações do corpo no direito revelam sua ambiguidade, visto que sua qualificação jurídica oscila entre as categorias de pessoa e coisa. As respostas jurídicas à aceleração tecnocientífica aprofundam essa ambivalência do corpo, ao apreendê-lo como objeto da autodeterminação pessoal, sob o regime dos direitos da personalidade. Ao mesmo tempo, sob influxo de processos culturais e políticos, os corpos assumem, mais recentemente, também, o papel de materializar os sujeitos e mobilizar demandas políticas por direitos. O estudo apresentado neste artigo, portanto, aponta para outras vias de leitura, que colocam em disputa o discurso jurídico sobre o corpo, não mais concebido somente como objeto de relações jurídicas, pois passa a ser, também, locus político de afirmação de identidades e subjetividades múltiplas.
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