Superendividamento e mínimo existencial: uma avaliação diagnóstica sobre a inconstitucionalidade do Decreto 11.150/2022 e seus impactos na Lei 14.181/2021
Palavras-chave:
Mínimo existencial, Controle de constitucionalidade, Superendividamento, Proteção do consumidor, Decreto 11.150/2022Resumo
O superendividamento é, atualmente, um problema social resultante de diversos fatores, entre os quais não se pode negar a incontestável influência do capitalismo na cultura do consumo. Nesse contexto, surge a Lei 14.181/2021 (Lei do Superendividamento), que altera o microssistema de proteção ao consumidor e o Estatuto do Idoso, visando à proteção do consumidor pessoa natural, superendividada e de boa-fé, tendo como parâmetro o mínimo existencial. Esse mínimo existencial é regulamentado pelo Decreto 11.150/2022, que recebe críticas incisivas por não contemplar adequadamente a realidade social. Assim, a pesquisa teve como objetivo analisar, de forma exploratória, o mínimo existencial enquanto categoria jurídica positivada pelo Decreto 11.150/2022 e seus impactos na Lei do Superendividamento, avaliando sua inconstitucionalidade. A pesquisa foi de abordagem qualitativa, de natureza aplicada e objetivos exploratórios, sistematizada por meio de procedimentos de pesquisa bibliográfica e documental e de pesquisa em processos judiciais. O marco para a análise da inconstitucionalidade foi a Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade, que serviu de base para um enquadramento crítico e reflexivo, fortalecido por um levantamento empírico. Nota-se que o Decreto 11.150/2022 sofreu duas alterações que esvaziaram o conceito de mínimo existencial: inicialmente, estabelecendo o percentual de 25% do salário-mínimo de 2022 (R$ 303), e, atualmente, fixando o valor em R$ 600. Uma concepção de mínimo existencial comprometida com a realidade social, por sua vez, deve englobar as necessidades de cada caso e garantir os direitos sociais e fundamentais no processo de repactuação da dívida. Diante disso, o Decreto foi analisado à luz das hipóteses de controle de constitucionalidade por meio de ação direta, sendo identificada a adequação para a proposição de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). O levantamento empírico constatou que três ações constitucionais foram recebidas pelo Supremo Tribunal Federal nessa hipótese (ADPFs 1005, 1006 e 1097), propostas pela Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos e pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público. De modo geral, as linhas argumentativas das petições indicaram a necessidade de maior proteção ao consumidor, a insuficiência do valor atual do mínimo existencial para garantir o mínimo vital e a urgência de políticas eficazes de prevenção e tratamento do superendividamento. Assim, conclui-se que o Decreto 11.150/2022 está aquém dos indicadores sociais, das demandas de acadêmicos e especialistas, bem como da sociedade civil organizada. Sua manutenção, nos termos atuais, é prejudicial à ordem constitucional e contribui para a perpetuação da pobreza e miserabilidade. Portanto, é necessário adotar uma concepção de mínimo existencial estratégica e comprometida, que seja aplicada de forma individualizada em cada negociação extrajudicial ou ação judicial voltada ao tratamento do superendividamento. Isso permitirá a análise das especificidades da vida do consumidor superendividado, bem como de suas possibilidades no processo de repactuação, garantindo-lhe o exercício pleno da cidadania e o usufruto de seus direitos.
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